A Princesa Hindu
"Me pega", a menina de súbito dizia, tentando surpreender o companheiro, e pulava do alto da escada que um pau mantinha erguida sob a supervisão do menino. Este, fingindo-se tomado pelo susto, de pronto agarrava-a ainda no ar, logo que ela se deixasse desprender do último degrau, e rindo colocava-a no chão. E assim podiam passar horas e horas do dia, entretendo-se com o que tinham. Era pouco ou quase nada. Filhos da terra, não possuíam brinquedos, somente tinham a imaginação e a companhia um do outro.
Criaram-se juntos, filhos de pais compadres, vizinhos na roça. Ela era a mentora das brincadeiras, estava sempre certa, mandava e desmandava. O menino obedecia, era seu cúmplice fiel e zeloso a acompanhava aonde fosse. "Eu sou a princesa e você é meu servo", ela dizia. Juntos criaram um reino hindu, onde os cavalos viravam elefantes, os casebres viravam palácios e o riacho era, na verdade, lágrimas vertidas de uma deusa virgem. Nesse reino nada faltava.
No entanto, a realidade era outra. Era tempo de seca e a comida já começava a rarear. As duas crianças, sob o sol forte, eram agora exploradores do deserto. A menina, empunhando uma sombrinha, dizia ser a chefe da missão. "Mas você já é a princesa", o menino protestou. "Por isso mesmo", ela retrucava e continuava com a cena, "agora eu digo que temos que subir aquelas dunas, pode ser que encontremos água". Subiu a escada, com sombrinha e tudo. O menino tentava acompanhá-la com o olhar, seu estômago doía raso e, ao olhar em direção a ela, o sol ofuscava-lhe a visão. Os olhos ardiam como se queimassem. "Me pega", ela disse, e confiante no companheiro pulou.
Caída no chão, imóvel e inconsciente, a menina ainda respirava. Quanto a ele, a cor fugiu da face, o coração subiu à boca, não ousava respirar. Correu, em pânico, buscando por ajuda. Atravessou o riacho das lágrimas vertidas, montou no seu elefante, buscou socorro no palácio. Mas todos estavam na roça e não ouviram as suas súplicas. Enquanto isso, a princesa hindu já ia ao encontro dos seus. Foi para o seu reino hindu, onde sua tribo a esperava. Lá onde agora somente uma coisa faltava: a companhia do seu fiel servo.
Thatiane C. Pires
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